Revellino Fernandes
Ainda é madrugada. São quatro da manhã quando o barco de Zofir Brandão atraca no cais da Feira do Açaí, localizado no complexo do mercado Ver-o-Peso – maior feira livre da América Latina, com mais de 380 anos de existência. Ele traz no barco o açaí, objeto de seu sustento há mais de quarenta anos. "Já ajudava meu pai desde criança, sempre vinha com ele e estou até hoje, graças a Deus", diz. O açaí é retirado do barco em paneiros – espécie de cestas artesanais – contendo cinco latas cada, e é entregue a Marivaldo Vinagre, 44, que desempenha a função de "carregador". Ele faz esse trabalho há 15 anos e diz que ali é praticamente sua morada noturna, pois a chegada dos barcos depende do momento em que a maré estiver alta, assim não tem horário certo para estar lá. "Hoje cheguei às 11h, mas tem dias em que chego às dez, doze. Depende da maré", comenta Marivaldo. Ele se responsabiliza pelo desembarque das mercadorias do barco de seu Zofir e outros para quem trabalha. Diz que não é um trabalho fácil. "É só pra quem é acostumado ao trabalho braçal mesmo. Chego a carregar de 60 a 70 paneiros por dia. Cada paneiro pesa de trinta a quarenta quilos". Nesse serviço Marivaldo recebe R$ 1,00 por paneiro carregado.
Bem antes de o sol nascer, o movimento de comerciantes já é intenso na Feira do Açaí. Já passam das quatro e trinta da manhã, o açaí de seu Zofir já está arrumado em seu devido lugar à espera dos clientes que, segundo ele, só começam a aparecer de manhã cedo. Ele afirma que já tem experiência no negócio, com clientes certos e que durante todo o tempo trabalha direito para não os perder. "Meu açaí é limpinho, procuro cuidar bem para que o cliente volte".
Enquanto espera o amanhecer e a chegada dos compradores, seu Zofir e alguns colegas se juntam numa rodada e apostam o café da manhã num jogo de adivinha com palitos, conhecido popularmente como "porrinha". Depois de um passeio pela feira ele vai tomar um mingau de milho branco na banca de dona Gleyce Jhennifer, "dona" só no nome, pois ela tem apenas 16 anos e trabalha na feira há três. Para ela o trabalho é necessário, pois precisa ajudar sua a família. Costuma chegar sempre às três da manhã no local, ficando até as oito e trinta da manhã, momento em que o movimento já se torna fraco.
O açaí é o produto de maior comercialização na feira. Segundo dados da prefeitura de Belém a Feira do Açaí é o principal centro de comercialização, responde por mais de 70% do produto comercializado na cidade. Em 2005 passaram por ali 31,1 mil toneladas do fruto. De lá o açaí é distribuído para os inúmeros pontos de venda da cidade, além de ser destinado também à exportação para outros estados e países estrangeiros.
Apesar de o açaí ser o produto de maior oferta e de maior procura, a feira também abre spaço para comercialização de inúmeros outros produtos que chegam do interior para serem comercializados. Carvão, farinha de mandioca, e frutas como laranja e bananas também podem ser encontrados na feira.
Antes do amanhecer os barcos já atracam carregados de açaí. O local traz vendedores de vários municípios do estado, como é o caso de Deulindo Borges, 58, do Município de Abaetetuba, distante 73 km da capital, trabalha há 32 anos na feira e chega às 19h do dia anterior para vender o açaí na manhã do dia seguinte. "Saio de casa ao meio dia, uma hora, mais ou menos. Chego aqui às sete da noite. A gente arruma as coisas e espera até o dia amanhecer", comenta. Deulindo faz esse mesmo processo duas vezes na semana e vende o paneiro a R$ 8,00 contendo uma lata de açaí. Ele diz que costuma vender, em média, 300 paneiros por dia.
Assim como Deulindo, Paulo Sérgio, 50, também enfrenta horas de viagem para comercializar o açaí na feira. Vindo da Ilha de Marajó, trabalha há 35 anos na venda do açaí. "É daqui que tiro meu sustento e da minha família. Não sei fazer outra coisa a não ser trabalhar com açaí", explica.
Às seis da manhã, o movimento dos comerciantes chega ao seu ponto de euforia, uma verdadeira confusão no trânsito mal organizado de carros de mão e na gritaria de compradores, vendedores e daqueles que vão ao local apenas para apreciar. Há quem consiga dormir, em colchões improvisados de papelão, até a chegada dos barcos que esperam para viagem de volta a suas localidades. Seu Zofir ainda está a espera de seus clientes. Um deles é Eduardo Neves, 38, que leva sete paneiros. Eduardo mora no bairro do Marco, trabalha há mais de 25 anos na venda do produto e afirma que é cliente fiel de seu Zofir há mais de dez. "Gosto de comprar o açaí dele. é bem cuidado e limpo. Penso na qualidade dos produtos e no bem de meus clientes também". Outro cliente fiel de seu Zofir é Antônio Vinagre, 41, morador do bairro da Marambaia que trabalha no comércio. "Só não compro do Zofir quando ele não vem". A partir daí o fruto será transformado em vinho e fará parte do cardápio da maioria dos paraenses que não dispensam uma das mais famosas iguarias da culinária amazônica.
Já são sete horas da manhã, após mais um dia de trabalho cumprido seu Zofir se prepara para voltar para casa, mas em breve irá voltar à feira que anoitece e amanhece sem dormir.
bem legal mostrar como a coisa realmente acontece...dificilmente quando estamos tomando "aquele açaí" na hora do almoço, temos a dimensão do trabalho que os vendedores de açaí têm, desde a hora de colher o fruto até o momento que ele chega às nossas mesas.
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